01 April 2010
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O PAVILHÃO RENDADO
O nosso colaborador Arqtº Márcio Costa que reside e trabalha na América do Sul entrevistou especialmente para o BLOG ARTMUSIQUE a empresa DOMO ARQUITECTOS,
Entrevista domo arquitetos | http://www.domo.arq.br
Márcio Costa
Em primeiro lugar, gostaria de saber como surgiu a ideia de entrar no mundo da arquitectura?
Matheus Secco
Na verdade quando entrei na Universidade de Brasília no curso de Arquitetura e Urbanismo eu me interessava por muita coisa relacionada à comunicação visual e artes visuais de uma maneira geral. Nesta época eu ambém me inscrevi no curso de Publicidade numa escola Privada, onde tinha aulas à noite. Ainda no meu primeiro ano de escola eu decidi seguir somente na escola de Arquitetura e Urbanismo, mas ainda assim eu trabalhei em um escritório de comunicação visual e design por 2 anos enquanto era estudante e depois disso também trabalhei na área de sinalização nos meus primeiros anos como profissional.
Mesmo antes de estudar arquitetura eu me interessava na maneira como um certo desenho de edifício ou praça pode promover o encontro de pessoas ou afastá-las, e acho que esta consciência foi o principal motivo pelo qual decidi seguir a profissão de arquiteto. Minha experiência em outras áreas também me ajudaram a ver a forma como nossa atividade pode se alimentar de várias fontes de conhecimento e interferir positivamente nas cidades e na vida das pessoas. O caráter muitidisciplinar da profissão é algo que sempre me interessou.
MC
Relativamente à sua formação académica, me fale um pouco do seu percurso pela Universidade de Brasília e da sua ida para a Bartlett
School of Architecture, em Londres e de que modo essas instituições o influenciaram na sua formação profissional?
Matheus Secco
A Universidade de Brasília/UnB foi criada efetivamente em 1962, portanto somente poucos anos depois da inauguração de Brasília. A escola de Arquitetura e Urbanismo da UnB está instalada em um edifício de Oscar Niemeyer, uma espécie de pavilhão de 800m de comprimento chamado Instututo Central de Ciências. O campus da UnB é povoado por edifícios de arquitetos modernistas de muito talento, alguns deles ainda são professores da escola de Arquitetura. Descrevo isso para ilustrar um pouco do ambiente que influenciava nosso ensino. Vários professores tinham trabalhado com o Oscar Niemeyer, alguns deles na construção de Brasília, então a história da criação de Brasília estava muito presente nas aulas e consequentemente tinha muita influência nos trabalhos de estudantes que eram produzidos ali, o modernismo era a corrente mais forte na escola. Os projetos eram apresentados de uma forma bem tradicional: Perspectiva, maquete, croquis e desenhos técnicos.
Por outro lado a abordagem de ensino da Bartlett School of Architecture, onde cursei meu mestrado em Architectural Design, era totalmente diversa. Falava-se muito sobre sensações e percepção de espaço, experimentação de materiais e abordagens de concepção de projeto que eram novas para mim. A “tradição” da escola, por assim dizer, era experimentar sem saber muito bem o que a experimentação poderia resultar. As apresentações de projeto muitas vezes se davam através de centenas de desenhos e dezenas de maquetes que muitas vezes não retratavam o edifício em si, pois eram experimentos isolados de ideias diversas. O produto que se exigia do estudante não era um projeto fechado, era sim a devida documentação do seu processo criativo. O diretor do meu mestrado era o Prof. Peter Cook, um dos cabeças do movimento Archigram dos anos sessenta é uma pessoa incrível, um cara muito inteligente. Suas ideias inflenciavam todo o direcionamento de ensino da escola. Eles não se interessavam muito em ver croquis de projeto, e sim saber o que a forma final de um projeto refletia do seu processo criativo.
Sendo assim, creio que a meu curso de graduação me deu bases para o entendimento da arquitetura em seu caráter humano e as bases técnicas do ofício. Depois disso a experiência de questionamento e experimentação do mestrado em contraposição ao o que tinha aprendido me deu instrumentos para exercitar uma certa liberdade na profissão, ou seja, de certa forma estas experiências me livraram de alguns preconceitos no exercício profissional.
MC
Na sua opinião, como descreve a situação actual das Universidades Brasileiras no ensino da arquitectura e na formação do arquitecto relativamente a outras Universidades da América Latina?
Matheus Secco
Existe uma tradição muito forte no ensino de arquitetura nas escolas brasileiras que é diretamente ligada às lições do nosso modernismo, e isso é um privilégio para as escolas daqui. Tive a oportunidade recente de participar de bancas de avaliação em boas faculdades como a PUC-Rio, UFRJ-Rio (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e na UnB e também como membro do júri na tradicional premiação anual brasileira para trabalhos acadêmicos de arquitetura, chamada Opera Prima. Pude ver que a quantidade de escolas aumentou muito e a qualidade do ensino não acompanhou necessariamente esta expansão de vagas. Portanto ainda é difícil avaliar a qualidade de muitas escolas recém-criadas. Desta forma, apesar do alto nível de ensino de algumas escolas, ainda é possível ver trabalhos da mais alta qualidade lado a lado com trabalhos com muito pouca qualidade em premiações de caráter nacional, ainda não existe uma média de produção acadêmica com um bom nível. Acho que é algo que tende a se equilibrar com o tempo.
Também já visitei a escola de arquitetura da UBA-Buenos Aires e a Católica de Santiago do Chile, e acompanho publicações sobre a arquitetura produzida nestes países e em países como Colômbia e México. Sobre as escolas que conheci na Argentina e Chile, fiquei com a impressão de que eles têm um alto nível técnico de ensino. Na Universidade Católica do Chile, por exemplo, existe uma ligação forte com a UPC (Politécnica da Cataluña), além do convênio com algumas faculdades americanas, e isso se reflete bastante no trabalho “egressos” mais ilustres desta escola. Na Argentina também há uma forte influência europeia no ensino e na produção arquitetônica, e a qualidade geral das escolas e maior. Na verdade existem menos escolas nestes dois países do que no Brasil.
Levando em conta o que eu conheço da recente produção de acadêmica de arquitetura latinoamericana eu acho que estamos vivendo um ótimo momento, um momento de diversidade e qualidade que pode influir na qualidade geral do ensino. Os profissionais recém formados têm encontrado melhores condições econômicas e sociais para o exercício da profissão e esta produção recente tem nos ajudado a debater sobre os caminhos da arquitetura contemporânea. Com isso também temos a oportunidade de mostrar para a sociedade a forma como a boa arquitetura pode influenciar positivamente no nosso ambiente urbano e discutir sobre o ensino de arquitetura.
MC
Falemos um pouco do vosso escritório. O vosso ateliê surgiu em 2008, porém vocês já tinham trabalhado juntos anteriormente? Conte-nos um pouco sobre a criação da “Domo Arquitetos”? (como se conheceram, quantos sao , e por ai fora)
Matheus Secco
Quando deixei o escritório de comunicação visual onde trabalhava até o ano de 2001 eu me juntei para trabalhar com outros 3 arquitetos que eu tinha conhecido na faculdade e com os quais tinham interesses diversos. Em 2003 eu parti para o mestrado, regressando em 2005 para trabalhar novamente com meus antigos colegas. Em 2006 fui morar no Rio de janeiro e trabalhar em um grande escritório carioca, através de uma colaboração que tínhamos iniciado com eles em um projeto Brasília. Este foi um período muito interessante, pois a escala de projetos era completamente diferente do que eu estava acostumado. Trabalhávamos em estádios, centros comerciais e edifícios de escritórios. Neste período eu ainda mantinha contato e colaborações com projetos em Brasília. Em 2008 me mudei novamente para Brasília, desta vez para reorganizar nosso escritório, comprar a parte de um dos sócios e recriar nossa colaboração com nosso nome atual. Isto se deu principalmente porquê começávamos a ter clientes que nos davam mais liberdade de criação, começávamos a ter projetos que considerávamos como sendo totalmente “nossos”.
Meus dois sócios Daniel Mangabeira e Henrique Coutinho portanto são pessoas que conheço desde a faculdade e com os quais já tenho trabalhado a quase 10 anos. Hoje nosso escritório tem mais 4 arquitetos e 3 estagiários, portanto somos 10 pessoas no total, trabalhando no mesmo ambiente.
MC
Relativamente ao vosso trabalho, depois da conclusão do famoso “pavilhão rendado” que projectos estão em curso agora no atelier?
Matheus Secco
O Pavilhão foi nossa obra mais divulgada por sites especializados e revistas de arquitetura e isso nos deixou muito felizes pois foi a primeira obra de arquitetura na qual tivemos total liberdade de criação. Desde então nós temos conseguido trabalhos nos quais temos mais liberdade de criação, pois o fato de ter algo “diferente” e construído nos deu certa credibilidade. Além disso o Pavilhão teve um custo relativamente baixo de construção e utilizou-se de materiais e elementos comuns à arquitetura moderna de Brasília, ainda que de uma forma não muito comum. Esta abordagem do Pavilhão é um exemplo do que procuramos conseguir no nosso escritório. Estamos no momento desenvolvendo três projetos residenciais e um projeto de um clube com os quais estamos bastante empolgados.
MC
A domo arquitectos se identifica ou busca influencia em algum tipo ou estilo de arquitectura? Qual a filosofia da empresa na abordagem dos projectos? (quais as metodologias de Projecto, coneitos, analises, enfim quais os vossos objectivos para cada projecto que efectuam.)
Matheus Secco
Cada projeto entra como algo totalmente novo aqui no escritório. Além das questões básicas com as quais nos preocupamos em todos os projetos como conforto térmico, limites de orçamento e sustentabilidade, procuramos nos libertar de uma identidade comum ou uma “assinatura” que esteja sempre presente. Gostamos de ver a arquitetura como uma expressão única, uma resposta à condições específicas de um certo cliente. Desta forma gostamos de pensar que os trabalhos que produzimos aqui podem ser vistos entre si como sendo de autoria de arquitetos diferentes,ainda que todos eles estejam preocupados em conseguir a arquitetura correta para cada situação.
Começamos um projeto com conversas longas com nossos clientes, e à partir daí tentamos detectar alguns desejos “ocultos” ou possibilidades que temos de propor uma síntese daquilo, mesmo que seja algo diferente do que foi pedido. Apresentamos referências de projetos nossos ou projetos favoritos do escritório e à partir daí tentamos mostrar que nosso trabalho não é exatamente fazer aquilo que nos pedem mas sim utilizar o que sabemos para ir além dos desejos mais literais do cliente e interpretá-los. Apresentamos em seguida nossa proposta, em plantas, perspectivas e maquetes, para então começarmos seu desenvolvimento. Também temos acompanhado de perto todas as obras, pois nossa mão-de-obra de construção aqui em Brasília ainda é muito deficiente.
Eu pessoalmente tenho meus arquitetos favoritos, ainda que suas obras sejam bastante diversas: SANAA, Herzog&DeMeuron, Adamo Faiden (Argentina), Pezo von Ellrischausen (Chile), Promontorio (Portugal) além de vários brasileiros como Angelo Bucci, Bernardes Jacobsen, Isay Weinfeld e Tryptique. Em Brasília, entre os arquitetos locais eu destacaria o Paulo Henrique Paranhos, Sérgio Parada e Atelier Paralelo.
MC
Para terminar, agora que o mundo inteiro está de olhos postos no Brasil, devido a prosperidade económica que o país atravessa, qual o seu olhar sobre o futuro da arquitectura brasileira, no Brasil e no Mundo?
Matheus Secco
Vemos o momento atual como uma oportunidade para elevar a qualidade da arquitetura brasileira, pois hoje temos uma situação econômica que permite com que vários bons profissionais colquem suas ideias em prática. O maior problema que encontramos hoje no Brasil para esta boa prática é a falta de conhecimento da sociedade em geral sobre a importânica de termos boa arquitetura. Desta forma, projetos públicos importantíssimos como a revitalização do Cais do Porto no Rio, a urbanização das Favelas no Rio e em São Paulo, projetos para mobiliário urbano de Brasília ou a feira livre da Torre de TV da cidade (projeto original de Lúcio Costa) são feitos em qualquer concurso público ou discussão de projetos que poderiam elevar o nível da arquitetura produzida por aqui. Desta forma estamos desperdiçando estas oportunidades iniciais para ter boa arquitetura no Brasil e envolver a sociedade e os arquitetos brasileiros numa discussão ampla sobre a cidade e a arquitetura que queremos no país. Ao mesmo tempo os ótimos exemplos de arquitetura no Brasil vindos de residências privadas ou edifícios privados contemporâneos, além dos poucos concursos públicos que são construídos como a sede do SEBRAE em Brasília (projeto de Álvaro Puntoni) mostram que temos a matéria-prima humana para a transformação positiva do nosso ambiente urbano. A criação do Conselho de Arquitetura e Urbanismo brasileiro, que até então não tínhamos, está próxima, e isso irá ser uma ferramenta importante para conseguirmos colocar a boa arquitetura como prioridade no desenvolvimento das nossas cidades.
Além disso acho que no Brasil nós sempre tivemos limitações técnicas e orçamentárias na criação da nossa arquitetura, e por isso até certo ponto estamos acostumados a fazer boa arquitetura com poucos “recursos”. Ao meu ver esta consciência sobre limitação de recursos e responsabilidade orçamentária são qualidades importantíssimas na arquitetura “pós-crise” de 2008. Ainda que as obras do SANAA ou Peter Zumthor (ganhadores dos recentes Pritzker Prizes de 2009 e 2010 respectivamente) não sejam obras de baixo custo, elas mostram uma tendência da arquitetura que resgata alguns valores modernistas e busca simplicidade formal com sensibilidade, o que vai na contramão dos excessos arquitetônicos dos anos 90 e começo do século XXI.
Texto descritivo - O Pavilhão Rendado
O Pavilhão Rendado é uma galeria de arte de 70m2 que foi construída durante uma exposição de arquitectura e design em Brasília. Sua "pele" externa é composta por uma combinação de 4 padrões diferentes de elementos vazados de betão,
conhecidos em Brasília como "cobogó". Estes blocos vazados foram extensamente utilizados nos corredores de ventilação dos edifícios modernos das primeiras superquadras de Brasília a serem construídas. Além de ser elemento construtivos de baixo custo eles permitem a iluminação natural controlada e ventilação natural aos ambientes onde ele é aplicado. A combinação
dos padrões de cobogós na fachada do Pavilhão faz referência aos tecidos rendados típicos da região Nordeste do Brasil.
A galeria é composta basicamente da superposição de uma caixa negra e de outra caixa branca. A parede negra é internamente utilizada para a exibição das obras do artista brasileiro Carlos Scliar. O acesso à galeria é feito através de uma rampa que conecta o bloco negro da composição ao de cor branca. Externamente esta parede se fecha quase completamente para a fachada oeste (com maior incidência solar) e possui uma camada de cobogós na cor negra sobre uma parede colorida que funciona como uma luminária nocturna. A parte interna desta "lâmpada urbana" pode ser vista através de uma pequena abertura no corredor de entrada.
A porção de cor branca do edifício funciona como uma caixa vazada de protecção solar para a caixa de vidro onde estão dispostas as pinturas, penduradas no teto através de cabos transparentes. Entre a camada vazada e a caixa de vidro se encontra um jardim de esculturas.
fotografias e texto cordialmente fornecidos pela DOMO ARQUITECTOS, direito reservado
O PAVILHÃO RENDADO
O nosso colaborador Arqtº Márcio Costa que reside e trabalha na América do Sul entrevistou especialmente para o BLOG ARTMUSIQUE a empresa DOMO ARQUITECTOS,
Entrevista domo arquitetos | http://www.domo.arq.br
Márcio Costa
Em primeiro lugar, gostaria de saber como surgiu a ideia de entrar no mundo da arquitectura?
Matheus Secco
Na verdade quando entrei na Universidade de Brasília no curso de Arquitetura e Urbanismo eu me interessava por muita coisa relacionada à comunicação visual e artes visuais de uma maneira geral. Nesta época eu ambém me inscrevi no curso de Publicidade numa escola Privada, onde tinha aulas à noite. Ainda no meu primeiro ano de escola eu decidi seguir somente na escola de Arquitetura e Urbanismo, mas ainda assim eu trabalhei em um escritório de comunicação visual e design por 2 anos enquanto era estudante e depois disso também trabalhei na área de sinalização nos meus primeiros anos como profissional.
Mesmo antes de estudar arquitetura eu me interessava na maneira como um certo desenho de edifício ou praça pode promover o encontro de pessoas ou afastá-las, e acho que esta consciência foi o principal motivo pelo qual decidi seguir a profissão de arquiteto. Minha experiência em outras áreas também me ajudaram a ver a forma como nossa atividade pode se alimentar de várias fontes de conhecimento e interferir positivamente nas cidades e na vida das pessoas. O caráter muitidisciplinar da profissão é algo que sempre me interessou.
MC
Relativamente à sua formação académica, me fale um pouco do seu percurso pela Universidade de Brasília e da sua ida para a Bartlett
School of Architecture, em Londres e de que modo essas instituições o influenciaram na sua formação profissional?
Matheus Secco
A Universidade de Brasília/UnB foi criada efetivamente em 1962, portanto somente poucos anos depois da inauguração de Brasília. A escola de Arquitetura e Urbanismo da UnB está instalada em um edifício de Oscar Niemeyer, uma espécie de pavilhão de 800m de comprimento chamado Instututo Central de Ciências. O campus da UnB é povoado por edifícios de arquitetos modernistas de muito talento, alguns deles ainda são professores da escola de Arquitetura. Descrevo isso para ilustrar um pouco do ambiente que influenciava nosso ensino. Vários professores tinham trabalhado com o Oscar Niemeyer, alguns deles na construção de Brasília, então a história da criação de Brasília estava muito presente nas aulas e consequentemente tinha muita influência nos trabalhos de estudantes que eram produzidos ali, o modernismo era a corrente mais forte na escola. Os projetos eram apresentados de uma forma bem tradicional: Perspectiva, maquete, croquis e desenhos técnicos.
Por outro lado a abordagem de ensino da Bartlett School of Architecture, onde cursei meu mestrado em Architectural Design, era totalmente diversa. Falava-se muito sobre sensações e percepção de espaço, experimentação de materiais e abordagens de concepção de projeto que eram novas para mim. A “tradição” da escola, por assim dizer, era experimentar sem saber muito bem o que a experimentação poderia resultar. As apresentações de projeto muitas vezes se davam através de centenas de desenhos e dezenas de maquetes que muitas vezes não retratavam o edifício em si, pois eram experimentos isolados de ideias diversas. O produto que se exigia do estudante não era um projeto fechado, era sim a devida documentação do seu processo criativo. O diretor do meu mestrado era o Prof. Peter Cook, um dos cabeças do movimento Archigram dos anos sessenta é uma pessoa incrível, um cara muito inteligente. Suas ideias inflenciavam todo o direcionamento de ensino da escola. Eles não se interessavam muito em ver croquis de projeto, e sim saber o que a forma final de um projeto refletia do seu processo criativo.
Sendo assim, creio que a meu curso de graduação me deu bases para o entendimento da arquitetura em seu caráter humano e as bases técnicas do ofício. Depois disso a experiência de questionamento e experimentação do mestrado em contraposição ao o que tinha aprendido me deu instrumentos para exercitar uma certa liberdade na profissão, ou seja, de certa forma estas experiências me livraram de alguns preconceitos no exercício profissional.
MC
Na sua opinião, como descreve a situação actual das Universidades Brasileiras no ensino da arquitectura e na formação do arquitecto relativamente a outras Universidades da América Latina?
Matheus Secco
Existe uma tradição muito forte no ensino de arquitetura nas escolas brasileiras que é diretamente ligada às lições do nosso modernismo, e isso é um privilégio para as escolas daqui. Tive a oportunidade recente de participar de bancas de avaliação em boas faculdades como a PUC-Rio, UFRJ-Rio (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e na UnB e também como membro do júri na tradicional premiação anual brasileira para trabalhos acadêmicos de arquitetura, chamada Opera Prima. Pude ver que a quantidade de escolas aumentou muito e a qualidade do ensino não acompanhou necessariamente esta expansão de vagas. Portanto ainda é difícil avaliar a qualidade de muitas escolas recém-criadas. Desta forma, apesar do alto nível de ensino de algumas escolas, ainda é possível ver trabalhos da mais alta qualidade lado a lado com trabalhos com muito pouca qualidade em premiações de caráter nacional, ainda não existe uma média de produção acadêmica com um bom nível. Acho que é algo que tende a se equilibrar com o tempo.
Também já visitei a escola de arquitetura da UBA-Buenos Aires e a Católica de Santiago do Chile, e acompanho publicações sobre a arquitetura produzida nestes países e em países como Colômbia e México. Sobre as escolas que conheci na Argentina e Chile, fiquei com a impressão de que eles têm um alto nível técnico de ensino. Na Universidade Católica do Chile, por exemplo, existe uma ligação forte com a UPC (Politécnica da Cataluña), além do convênio com algumas faculdades americanas, e isso se reflete bastante no trabalho “egressos” mais ilustres desta escola. Na Argentina também há uma forte influência europeia no ensino e na produção arquitetônica, e a qualidade geral das escolas e maior. Na verdade existem menos escolas nestes dois países do que no Brasil.
Levando em conta o que eu conheço da recente produção de acadêmica de arquitetura latinoamericana eu acho que estamos vivendo um ótimo momento, um momento de diversidade e qualidade que pode influir na qualidade geral do ensino. Os profissionais recém formados têm encontrado melhores condições econômicas e sociais para o exercício da profissão e esta produção recente tem nos ajudado a debater sobre os caminhos da arquitetura contemporânea. Com isso também temos a oportunidade de mostrar para a sociedade a forma como a boa arquitetura pode influenciar positivamente no nosso ambiente urbano e discutir sobre o ensino de arquitetura.
MC
Falemos um pouco do vosso escritório. O vosso ateliê surgiu em 2008, porém vocês já tinham trabalhado juntos anteriormente? Conte-nos um pouco sobre a criação da “Domo Arquitetos”? (como se conheceram, quantos sao , e por ai fora)
Matheus Secco
Quando deixei o escritório de comunicação visual onde trabalhava até o ano de 2001 eu me juntei para trabalhar com outros 3 arquitetos que eu tinha conhecido na faculdade e com os quais tinham interesses diversos. Em 2003 eu parti para o mestrado, regressando em 2005 para trabalhar novamente com meus antigos colegas. Em 2006 fui morar no Rio de janeiro e trabalhar em um grande escritório carioca, através de uma colaboração que tínhamos iniciado com eles em um projeto Brasília. Este foi um período muito interessante, pois a escala de projetos era completamente diferente do que eu estava acostumado. Trabalhávamos em estádios, centros comerciais e edifícios de escritórios. Neste período eu ainda mantinha contato e colaborações com projetos em Brasília. Em 2008 me mudei novamente para Brasília, desta vez para reorganizar nosso escritório, comprar a parte de um dos sócios e recriar nossa colaboração com nosso nome atual. Isto se deu principalmente porquê começávamos a ter clientes que nos davam mais liberdade de criação, começávamos a ter projetos que considerávamos como sendo totalmente “nossos”.
Meus dois sócios Daniel Mangabeira e Henrique Coutinho portanto são pessoas que conheço desde a faculdade e com os quais já tenho trabalhado a quase 10 anos. Hoje nosso escritório tem mais 4 arquitetos e 3 estagiários, portanto somos 10 pessoas no total, trabalhando no mesmo ambiente.
MC
Relativamente ao vosso trabalho, depois da conclusão do famoso “pavilhão rendado” que projectos estão em curso agora no atelier?
Matheus Secco
O Pavilhão foi nossa obra mais divulgada por sites especializados e revistas de arquitetura e isso nos deixou muito felizes pois foi a primeira obra de arquitetura na qual tivemos total liberdade de criação. Desde então nós temos conseguido trabalhos nos quais temos mais liberdade de criação, pois o fato de ter algo “diferente” e construído nos deu certa credibilidade. Além disso o Pavilhão teve um custo relativamente baixo de construção e utilizou-se de materiais e elementos comuns à arquitetura moderna de Brasília, ainda que de uma forma não muito comum. Esta abordagem do Pavilhão é um exemplo do que procuramos conseguir no nosso escritório. Estamos no momento desenvolvendo três projetos residenciais e um projeto de um clube com os quais estamos bastante empolgados.
MC
A domo arquitectos se identifica ou busca influencia em algum tipo ou estilo de arquitectura? Qual a filosofia da empresa na abordagem dos projectos? (quais as metodologias de Projecto, coneitos, analises, enfim quais os vossos objectivos para cada projecto que efectuam.)
Matheus Secco
Cada projeto entra como algo totalmente novo aqui no escritório. Além das questões básicas com as quais nos preocupamos em todos os projetos como conforto térmico, limites de orçamento e sustentabilidade, procuramos nos libertar de uma identidade comum ou uma “assinatura” que esteja sempre presente. Gostamos de ver a arquitetura como uma expressão única, uma resposta à condições específicas de um certo cliente. Desta forma gostamos de pensar que os trabalhos que produzimos aqui podem ser vistos entre si como sendo de autoria de arquitetos diferentes,ainda que todos eles estejam preocupados em conseguir a arquitetura correta para cada situação.
Começamos um projeto com conversas longas com nossos clientes, e à partir daí tentamos detectar alguns desejos “ocultos” ou possibilidades que temos de propor uma síntese daquilo, mesmo que seja algo diferente do que foi pedido. Apresentamos referências de projetos nossos ou projetos favoritos do escritório e à partir daí tentamos mostrar que nosso trabalho não é exatamente fazer aquilo que nos pedem mas sim utilizar o que sabemos para ir além dos desejos mais literais do cliente e interpretá-los. Apresentamos em seguida nossa proposta, em plantas, perspectivas e maquetes, para então começarmos seu desenvolvimento. Também temos acompanhado de perto todas as obras, pois nossa mão-de-obra de construção aqui em Brasília ainda é muito deficiente.
Eu pessoalmente tenho meus arquitetos favoritos, ainda que suas obras sejam bastante diversas: SANAA, Herzog&DeMeuron, Adamo Faiden (Argentina), Pezo von Ellrischausen (Chile), Promontorio (Portugal) além de vários brasileiros como Angelo Bucci, Bernardes Jacobsen, Isay Weinfeld e Tryptique. Em Brasília, entre os arquitetos locais eu destacaria o Paulo Henrique Paranhos, Sérgio Parada e Atelier Paralelo.
MC
Para terminar, agora que o mundo inteiro está de olhos postos no Brasil, devido a prosperidade económica que o país atravessa, qual o seu olhar sobre o futuro da arquitectura brasileira, no Brasil e no Mundo?
Matheus Secco
Vemos o momento atual como uma oportunidade para elevar a qualidade da arquitetura brasileira, pois hoje temos uma situação econômica que permite com que vários bons profissionais colquem suas ideias em prática. O maior problema que encontramos hoje no Brasil para esta boa prática é a falta de conhecimento da sociedade em geral sobre a importânica de termos boa arquitetura. Desta forma, projetos públicos importantíssimos como a revitalização do Cais do Porto no Rio, a urbanização das Favelas no Rio e em São Paulo, projetos para mobiliário urbano de Brasília ou a feira livre da Torre de TV da cidade (projeto original de Lúcio Costa) são feitos em qualquer concurso público ou discussão de projetos que poderiam elevar o nível da arquitetura produzida por aqui. Desta forma estamos desperdiçando estas oportunidades iniciais para ter boa arquitetura no Brasil e envolver a sociedade e os arquitetos brasileiros numa discussão ampla sobre a cidade e a arquitetura que queremos no país. Ao mesmo tempo os ótimos exemplos de arquitetura no Brasil vindos de residências privadas ou edifícios privados contemporâneos, além dos poucos concursos públicos que são construídos como a sede do SEBRAE em Brasília (projeto de Álvaro Puntoni) mostram que temos a matéria-prima humana para a transformação positiva do nosso ambiente urbano. A criação do Conselho de Arquitetura e Urbanismo brasileiro, que até então não tínhamos, está próxima, e isso irá ser uma ferramenta importante para conseguirmos colocar a boa arquitetura como prioridade no desenvolvimento das nossas cidades.
Além disso acho que no Brasil nós sempre tivemos limitações técnicas e orçamentárias na criação da nossa arquitetura, e por isso até certo ponto estamos acostumados a fazer boa arquitetura com poucos “recursos”. Ao meu ver esta consciência sobre limitação de recursos e responsabilidade orçamentária são qualidades importantíssimas na arquitetura “pós-crise” de 2008. Ainda que as obras do SANAA ou Peter Zumthor (ganhadores dos recentes Pritzker Prizes de 2009 e 2010 respectivamente) não sejam obras de baixo custo, elas mostram uma tendência da arquitetura que resgata alguns valores modernistas e busca simplicidade formal com sensibilidade, o que vai na contramão dos excessos arquitetônicos dos anos 90 e começo do século XXI.
Texto descritivo - O Pavilhão Rendado
O Pavilhão Rendado é uma galeria de arte de 70m2 que foi construída durante uma exposição de arquitectura e design em Brasília. Sua "pele" externa é composta por uma combinação de 4 padrões diferentes de elementos vazados de betão,
conhecidos em Brasília como "cobogó". Estes blocos vazados foram extensamente utilizados nos corredores de ventilação dos edifícios modernos das primeiras superquadras de Brasília a serem construídas. Além de ser elemento construtivos de baixo custo eles permitem a iluminação natural controlada e ventilação natural aos ambientes onde ele é aplicado. A combinação
dos padrões de cobogós na fachada do Pavilhão faz referência aos tecidos rendados típicos da região Nordeste do Brasil.
A galeria é composta basicamente da superposição de uma caixa negra e de outra caixa branca. A parede negra é internamente utilizada para a exibição das obras do artista brasileiro Carlos Scliar. O acesso à galeria é feito através de uma rampa que conecta o bloco negro da composição ao de cor branca. Externamente esta parede se fecha quase completamente para a fachada oeste (com maior incidência solar) e possui uma camada de cobogós na cor negra sobre uma parede colorida que funciona como uma luminária nocturna. A parte interna desta "lâmpada urbana" pode ser vista através de uma pequena abertura no corredor de entrada.
A porção de cor branca do edifício funciona como uma caixa vazada de protecção solar para a caixa de vidro onde estão dispostas as pinturas, penduradas no teto através de cabos transparentes. Entre a camada vazada e a caixa de vidro se encontra um jardim de esculturas.
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